terça-feira, 6 de abril de 2010

Sobre homens e flores: o sim, o não, a felicidade

Adendo
É uma honra prefacear este texto que escrevi com o amigo Tiago num momento de rara lucidez em meio a uma aula de sociologia. Ele não sabe o risco que correu ao pedir-me que fizesse este adendo, pois vencida a preguiça, normalmente não consigo ser muito breve.
Mas enfim, o seguinte texto é uma análise muito boa (segundo o professor de sociologia) sobre um filme iraniano de nome "A Maçã" cujos nome em árabe e o nome da diretora, só o Tiago decorou.
Trata-se da história real de duas meninas que foram trancadas pelo pai e pela mãe cega por 11 anos dentro de casa e depois deste confinamento, saem para experimentar os primeiros passos fora do lar.
O filme ganha um contorno de documentário ao passo que todos os envolvidos na história aparecem no filme como seus próprios "personagens".
Disponível no youtube com legendas em inglês.

       Nuno Coelho

O corpo é uma sede de signos culturais, é a manifestação da cultura de um povo. Conhecer o corpo é conhecer sua própria cultura, é entendê-la. Se não se conhece o próprio corpo, desconhece-se a cultura e esta, portanto, é dogmática.
Para as gêmeas retratadas no filme "A Maçã" os padrões culturais impostos pelos pais ("outros significativos") são tomados como absolutos. Elas quase não têm capacidade motora nem comunicativa o que as impede de manisfetar sua própria vontade, de criá-la ou ter consciência desta.
As gêmeas foram privadas de parte de sua socialização primária (linguagem, normas de conduta) e , assim, a secundária acabou por ficar comprometida.
O pai tenta, frustrada e tardiamente, socializar as filhas pelo fato da mãe ser duas vezes cega (biologica e culturalmente).
O meio cultural no qual as crianças estão envolvidas é dogmático e não permite conhecer o próprio corpo. Isto se reflete no andar difícil, na linguagem deficiente e na ausência de padrões culturais como o comprar.
Logo, os "outros generalizados" entram como agentes socializadores fora da clausura em que as meninas se encontram apresentando o mundo a elas e elas a elas mesmas (espelho). Cada agente traz uma parte da socialização para elas. Como o menino do sorvete, o da maçã e indiretamente a assistente social que trazem padrões sociais, como na compra das maçãs.
Em conjunto, elas são levadas a explorar o próprio corpo, a ultrapassar o período sensório-motor/pré-operatório (Piaget) tentando reestabelecer o equilíbrio diretamente proporcional do desenvolvimento biológico e etapas biográficas. O que fica evidenciado na cena emblemática da brincadeira "amarelinha".
Por fim, apesar das meninas serem como flores e poderem murchar quando expostas ao Sol, elas devem ter a oportunidade de morder a maçã do conhecimento e escolher serem flores ou gente.

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